A memória que me contam

Título Original: A memória que me contam
País: Brasil
Direção: Lucia Murat
Roteiro: Lucia Murat e Tatiana Salem Levy
Elenco Principal: Irene Ravache, Simone Spoladore e Franco Nero
Estreia no Brasil: Junho de 2013




A ditadura militar, que assombrou o nosso país há pouco menos de 30 anos, ainda fere o nosso povo porque muito pouco foi feito para que enaltecessem nossos verdadeiros heróis e punissem os mestres repressores. É como um grande espelho postado frente a nós, a refletir danos à nossa sociedade. Este longa nos apresenta a uma ex-guerrilheira contrária àquele regime torturante, intensificando assim os agravos daqueles duros anos em uma escala menor. Mas não lhe faltam temas e discussões pertinentes que atinjam uma magnitude muito maior.

A trama tem como centro orbital Ana (Spoladore), ex-combatente do regime ditatorial brasileiro, e quando ela entra em coma, aos 60 anos de idade. Os amigos então se vêem reunidos na sala de espera de um hospital, revivendo as lutas de sua geração e as confrontando com o país em que vivemos hoje e as revoluções que estão às mãos de seus filhos nascidos na democracia que eles conquistaram. Seguem-se dias de reflexões onde cada um fornece suas memórias sobre Ana e contribuem para que o espectador a construa por sua própria maneira.

Lucia Murat realiza este trabalho como uma aberta mensagem à verdadeira guerrilheira que o Brasil teve, Vera Silva Magalhães. No entanto, Ana é uma inspiração livre em cima dessa sua companheira. Ela representa o espírito utópico de todos aqueles inúmeros jovens militantes do anos 60 que dispuseram a indignarem-se com o regime totalitário e cruel que se instalou no país. E a partir dos relatos dos que conviveram próximos a Ana, a diretora cria um verdadeiro quebra-cabeça emocional, misturando seus personagens (todos fictícios) com seus inspiradores do mundo real.

Concomitante ao tema central, o roteiro se expande por assuntos relevantes à nossa sociedade atual. Faz um paralelo entre as lutas que viveu/vive cada uma das gerações que se entrelaçam no filme. Portanto, não trata somente da questão do julgamento histórico que nossa nação merece obter, como também escolhe a bandeira do homossexualismo como exemplo da evolução daquela luta, ora armada, e que hoje se dá de uma maneira mais democrática, porém não menos revolucionária. 

A diretora estabelece diversos conflitos de análises, como os filhos que enxergam um mito naquela resistência vivida por seus pais devido as divergências comportamentais que surgem entre eles, mas mesmo assim têm noção do ato heroico que fizeram. Também ilustra, na figura de Paolo (Nero), a tão recorrente discussão sobre terrorismo e revolução. Ele, um imigrante italiano no Brasil, é ainda entendido pelo grupo brasileiro como um terrorista, enquanto os mesmos se intitulam revolucionários. O mesmo se aplica ao caso onde muitos encaram as revoluções buscadas hoje em nossos quintais como movimentos excêntricos  e folgados, enquanto as que se passam longe daqui são vistas quase sempre como uma digna luta.

Mesmo não sendo uma obra-prima do cinema, A memória que me contam é uma maravilha artística pelo que transmite a nós para entendermos o que é realmente necessário ser feito para que possamos enterrar de vez os 21 anos de maior sofrimento do nosso povo: o julgamento histórico. Elucidar, nas entranhas da nossa sociedade, que Médici nunca foi um presidente, sendo menos que Marighella, e que Apolônio de Carvalho é muito mais digno de patronear nosso exército que o Duque de Caxias.

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